sexta-feira, 21 de março de 2008

Na estrada

Uma estrada qualquer.


Quem já passou por isso sabe do que estou falando: é muito difícil comer na estrada. A estrada é uma situação que nos leva a ingerir tudo que em teoria não devemos. É assim: eu tento manter um equilibrio, comer bastante fibra, fruta, pouca carne, pouca farinha, alimentos variados. E tudo que encontro na estrada são biscoitos de polvilho (alguns gigantes), coxinhas, risoles, pastéis e espetos de frango empanado (meus preferidos, principalmente na estrada de Mogi das Cruzes). Cheguei à conclusão que o mais saudável na estrada são as bananinhas de paraibuna sem açúcar.

Isso não é nada grave se você esta simplesmente indo pra praia ou faz viagens rodoviárias esporádicas. Mas quando a estrada é o seu trabalho, como tem sido para mim nas últimas semanas, todo o seu metabolismo (e o seu humor) podem ser ser profundamente afetados. Nem a ingestão de água, que poderia ser a tábua de salvação, é conveniente, porque isso gera as constantes paradas para banheiro a pedido do público feminino da van. Isso poderia irritar os colegas e o motorista, mas tenho sorte de viajar com gente que adora paradas. Motorista irritado é a última coisa que a gente quer.

Você pensa que chegando "lá" a coisa melhora? Esta semana, em Araraquara, almocei na comedoria do Sesc. Tudo direitinho, mas aquela coisa padronizada sem muito sabor. Ao menos você sabe que há um rigoroso controle sanitário e come sem medo. Pedi espeto de frango empanado (saudades de Mogi), arroz, feijão e legumes na manteiga (coitados legumes, desmaiados de tão bruscamente descongelados). No jantar, às 3 da manhã, Habbibs 24 horas. Uma espera eterna e um elenco de novos descongelados (alguns pela metade). Todos os recheios (charutinho, abobrinha) eram iguais: uma carne indefinida e uma massaroca de arroz velho. Os sucos tinham uma quantidade absurda de açúcar, intomáveis. O kibe era amargo. Bom, pior teria sido ir dormir de madrugada depois de um show exaustivo sem nada no estômago.



A placa não deixa dúvidas.



Para completar, vamos falar da "comida de hotel"? Será que isso pode se chamar comida? Eu me pergunto se os cozinheiros dos hoteis em que tenho me hospedado não pensam por um segundo, na hora de fazer um simples misto, como eles mesmos iam gostar que ficasse. É um pão de forma morno e mole que foi fresco há 3 dias, reciclado do café da manhã, com frios igualmente reciclados e literalmente frios. Tem aberração maior do que o tal "apresuntado"? Suspeito que tinha "isso" no meu misto.

Mas nem tudo são mazelas. Às vezes você dá sorte e encontra pérolas na beira da estrada. Existem clássicos como o Leite na Pista, indo para Campos do Jordão ou sul de Minas, o Santa Barbara na Tamoios, o Rancho do Vinho na Regis e o mais sensacional do mundo: O Boliche Viejo na estrada que une Bariloche a Ruta 7 Lagos, na Argentina. Você pode ler sobre isso num post antigo. Mas nesse lugares você acha uma boa comida caseira, doces divinos, um bolo de fubá incrível, coisas assim. Mas vamos combinar, são exceções.

A escapatória às vezes é ir atrás dos caminhões, que eles sabem das coisas, afinal moram na estrada. Assim fui parar na churrascaria "Confiante", na Anhanguera. Ou era Castelo Branco? Enfim, não me lembro. A salada tinha uma cara boa. Ufa! Salada! O churrasqueiro era o ser mais antipático da face da terra. "Tem frango?" , "Não!". Ponto. O ponto a favor dele é que era gaúcho. Um detalhe sórdido: tive a impressão de que os comensais caminhoneiros presentes não viam uma mulher há anos. Fiquei com medo de ser encurralada a caminho do banheiro, solicitei escolta. Tinha café expresso! Não provei, mas ouvi dizer que era igual ao do hotel, que também não provei. Acho que isso não foi exatamente um elogio.

Para finalizar, lavar as mãos com sabão líquido vermelho que parece gelatina e tem cheiro de chiclete, escovar os dentes, e voltar para a van, com sua baguncinha, salgadinhos, garrafinhas de água mineral por toda parte e, graças a Deus, dvd! Beleza roubada e Harry Potter tornam sua viagem mais agradável.



...



De volta para casa, muita vontade de pôr a mão na massa. Peixe de novo, badejo de novo. Vão achar que estou me repetindo! Faz muitos posts que faço badejo, eu sei. Mas fazer o quê, coincidiu! Eu amo esse peixe. Sua firmeza e seu sabor. Fiz assim, numa panela baixa de ferro com tampa refoguei anéis de cebola. Por cima, o peixe em pedaços (cada filé em duas ou três partes), tomati pelatti em pedaços, sem o líquido, folhas de salsão, orégano fresco, azeitonas (eu não tinha das pretas, então foi a verde mesmo). Sal, pimenta calabresa, pimenta verde, azeite e tampa. Não precisa mexer.

Vinte minutos mais tarde, esta maravilha:




Retorno de Peixes.




Amanhã caio na estrada de novo. Avaré. Não sei se levo uma marmita de arroz integral, se me alimento de água e frutas ou se me entrego. Acho que vou me entregar. Depois faço uma desintoxicação rápida e pronto. Até parece. Bon voyage.

sexta-feira, 7 de março de 2008

O gosto dos outros



Adoro cozinhar e receber, mas ser recebida e provar o tempero alheio pode ser um banho de água fresca no meu paladar. Na cozinha e na música sinto a mesma coisa. Me canso do meu próprio jeito de fazer as coisas, minha maneira de compôr, meus acordes, melodias, meu tempero, minhas escolhas habituais. É um exercício se libertar desses mecanismos automáticos, uma tentativa de não se repetir. Como diria Picasso, copiar os outros é ótimo, copiar a si mesmo, imperdoável. Ou algo assim. De qualquer maneira, já que não se repetir é impossível, ter consciência desses reflexos involuntários já gera um resultado diferente. E cozinhar me dá esse prazer que a arte traz, esse estado de inspiração em que a gente sai do ar ou do chão, não vê o tempo passar, entra numa espécie de eternidade.

Nesse fim de semana fui almoçar na casa de amigas artistas e cozinheiras. Foi bom ser recebida com sabores diferentes, pratos coloridos, outro timing, a hospitalidade de sempre. Conversa interessante, risadas, projetos e comida da boa.

Começando com uma entradinha onde consegui identificar a presença das musas: uma torradinha de pão de centeio com mostarda dijon, beringela palha e um pedacinho de tâmara. A côr linda, tons verdes e marrons, o cheiro ótimo e o sabor excelente. O ardido da mostarda com o ácido da beringela (em finíssimas tiras e temperada com limão ou vinagre ou ambos) e o doce da tâmara em perfeita comunhão.



Quem resiste a essa entradinha?



Depois uma salada com diferentes folhas: alface americana, agrião... tinha rúcula? Por cima um pouco de amendoim torradinho. Para temperar azeite extra virgem, vinagre balsâmico e gersal daquele bem preto. Bem refrescante, perfeita para abrir os trabalhos num sábado quente.



Salada.



E então, a estrela do dia. Bacalhau assado com cebola, batata doce, pimentão e azeitonas. Tudo num mar de azeite. Não. Um mar de azeite seria se eu tivesse feito o prato. Estava mais para uma lagoa rasa e, por isso mesmo, melhor. O bacalhau em iscas boiando feliz em meio às batatas levemente torradas (a cozinheira omitiu a batata da receita original e usou apenas a batata doce) e à cebola a ponto de desmanchar, quase cremosa. As azeitonas muito oportunas quebrando a doçura . Receita de mãe. Eu nunca teria feito assim e no entanto, achei perfeito. Comi dois pratos, não resisti.



Arroz integral cateto para acompanhar.


E para coroar o banquete, sorvete de chocolate com amêndoas e um pirulito crocante de casquinha que servia de obscena colher para consumir a iguaria. Um chá verde com arroz integral torrado a cargo da diplomacia com os órgãos digestivos e uma sensação inegável: eu não teria feito melhor. O gosto dos outros é muito bom.




Sobremesa dos Deuses.



Bom, o gosto dos outros também pode cansar, não é mesmo? Não o dos amigos cozinheiros, mas o gosto da comida feita em série: o sabor restaurante. Por incrível que seja o chef, o cardápio e o ambiente, depois de dias sem comer em casa, acabo com saudades do meu próprio tempero.