terça-feira, 17 de setembro de 2013

Verão na Itália


Cada vez que viajo, sobretudo para destinos gastronômicos, suspiro em doce (ou melhor, salgada) antecipação imaginando aquilo que vou comer. Foi nesse espírito que partimos rumo à Itália, com essa vontade de provar tudo, mesmo esse tudo que já é tão conhecido e incorporado ao nosso dia a dia. E é só olhar o mapa. Todas as cidades tem nome de algo comestível: Parma, Bréscia, Gorgonzola. O GPS mais parecia um cardápio. Voando via Milão, chegamos pelo norte e partimos imediatamente rumo aos lindos lagos que fazem fronteira com os alpes e a Suíça. Varese, Lago Maggiore, Luino. Na região, belíssima com seu cheiro de pinheiro, seu ar puro e águas claras tive meus primeiros contatos com a comida, mas nenhum marcante. Comecei com uma refeição de frutos do mar grelhados, medíocre, servida fria com batatas requentadas e pão seco. Pensei: estou no lugar errado. Um restaurante-lounge-balada onde só se via gente tomando cerveja. Mas o cansaço era grande como o gramado, excelente pra uma criança correr enquanto o olhar embaçado de jet lag dos pais se perdia no céu claro das nove da noite, a alma tardando em chegar.





Capellini ao funghi porcini


Talvez a viagem só tenha começado mesmo naquela cidade em que paramos a caminho da Toscana, três dias depois. Onde parar, onde comer. Minha intuição e o acaso (serão a mesma coisa?) nos levaram até um restaurante familiar elegante em Berceto. Foi lá onde senti a integridade de um prato, bem servido, com mesas cheias de locais. Uma inesquecível massa caseira com o funghi porcini da região. Funghi que seria consumido à exaustão nos dias seguintes. Mas na hora, "Ah...", pensei, "agora sim". E logo chegamos em Lucca, cidade quente, que comparada aos lagos nos trouxe uma indesejável lembrança (salvas as devidas proporções) de São Paulo, com seu barulho e asfalto incandescente. Apesar do charme do centro murado, sua comida ok (servida rápido demais, sabor requentê) e seu lindo carrossel que parecia sonhado ou de filme, ficou claro que nosso lugar era um ambiente mais rural e fugimos sem pensar duas vezes da casa que alugamos pelo AirBnB, deixando para trás seus smurfes medonhos de borracha e o cheiro claustrofóbico de vela aromática.



Grelhados mistos


Chegando em Bagni di Lucca, o alívio. Ar fresco,  parquinho, crianças soltas, centrinho charmoso, deliciosa piscina municipal com vista pros vinhedos, e sem necessidade de exame médico (afinal para que serve o exame médico mesmo?) e um almoço tardio no restaurante mais turistão, daqueles com cardápio em 7 línguas e English Spoken escrito na porta. Mas o nhoque ao pesto, tão bom, confirmou: não importa se é para turista, quando é bom, é bom. E então pedi os grelhados mistos, só porque queria conhecer uma linguiça toscana que não fosse Sadia. O frango, ressecado, dispensável. O cordeiro, igual a todos os cordeiros. Mas a linguiça! Você percebe os pedaços de carne dentro dela, e não aquela massaroca indecifrável e cheia de gordura. Muito pouco sal, levemente apimentada. A Sadia não sabe o que é uma linguiça toscana. Agora eu sei.



Porco trufado em massa folhada


Então teve o dia em que realmente vibramos de emoção gastronômica, numa tarde em Cutigliano, cidade minúscula que da acesso a uma estação de ski por um funicular impressionante que sobe até 2000 metros em 10 minutos. Lá em cima, um frio invernal parecendo Bariloche em junho, me fez odiar meu vestidinho e fugir para um café, onde tomei um chocolate quente, amargo e tão cremoso que nem descia pela garganta. De volta à cidade, o verão voltou e fomos comer no restaurante que eu já vinha namorando desde a estrada "Fagiolini". Lotadasso de italianos famintos, cheiro bom no ar e o prato da foto acima. Emocionante de bom. O sabor da trufa, o crocante da massa folhada, a maciez da carne, irretocável. Há quem diga que as trufas cheiram como a boca de alguém que não escova os dentes há muito tempo. Concordo que pode ser muito forte, não pra todo dia, mas na medida certa é bom, é tão bom. Logo comprei um azeite trufado e um vidrinho de trufas negras, que oportunamente encontrarão seu destino.



"Entradinha" da casa


Numa manhã quente, veio a idéia: e se fossemos à praia? A uma hora e pouco temos o mar Tirreno, vamos? Programa de índio (com perdão dos índios que não tem nada a ver com essa infeliz expressão). Chegamos em Livorno, uma mistura de Mar del Plata com Guarujá, decadente, urbanizada demais, quente, muito quente. Onde comer? Ali? Não, aqui já fechou. Tá, então ali. E fomos parar num maravilhoso boteco de frutos do mar, lotado, onde sentamos numa mesa apertada ao lado de um casal de bronzeados noruegueses recém saídos do navio. A entradinha da casa era esse prato enorme de saladas com camarão, lulas, vieiras, lagostins. Uma delícia. E quando já não tínhamos nenhuma fome, um enorme atum grelhado com limão siciliano, tudo regado a vinho branco bem gelado. E de lá, pesados, pra uma praia escondida, de difícil acesso, com pequenas pedras que fizeram do-in à força nos meus pés, mar muito bravo, de arrebentação intransponível. Por que não fiquei na Toscana?



Pizza!


E antes de partir pra Espanha, uma breve escala em Bérgamo. O que seria apenas uma cidade-escala, para pegar o avião para Barcelona, se tornou uma surpresa agradabilíssima. A cidade alta é imperdível, com suas ruelas, a igreja de Santo Alessandro, a praça, os mirantes, os parques. Na ruazinha principal, empórios gourmet onde da vontade de comprar tudo. Padarias, docerias, pizzarias (como a da foto). Jantamos no restaurante do antigo teatro, uma polenta cremosa, batida com queijo, e uma carne de vitela cozida no vinho tinto. E a sobremesa...






MK, setembro de 2013.


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